terça-feira, 10 de maio de 2011

Que ideia poderosa: retirar-se para estar com Deus!

As liturgias sofreram dramáticas mudanças de contextualização, a fim de atender às necessidades da elite, especialmente aquela ligada ao poder. Não é difícil supor como, neste cenário, os líderes religiosos deixaram de lado a piedade e a retidão para mergulhar num estilo de vida marcado pela politicagem e pela busca de prestígio, poder, dinheiro, fama... Essas coisas com as quais todos nós, crentes do século 21, já estamos tão familiarizados!



Os anacoretas foram para os desertos e buscaram ali construir uma nova ordem social, fomentando um modo diferente de existir.

Eduardo Rosa - http://cristianismohoje.com.br

Link: [Acessado em 10/05/2011]

http://cristianismohoje.com.br/interna.php?id_conteudo=760&subcanal=53

Neste espaço, vamos apresentar oito ideias que moldaram a espiritualidade cristã ao longo de sua história e que podem fazer o mesmo conosco. A primeira delas é definida pelo termo grego anacorese. Em tradução simples, algo como retirada, ou fuga. O contexto dentro do qual ela nasceu é muito interessante. O quarto século da Era Cristã foi um dos pontos de mutação da espiritualidade cristã. Naquele momento, a conversão do imperador Constantino ao cristianismo mudou radicalmente a vida de toda a população que vivia sob Roma – especialmente a dos cristãos, que, até então, eram perseguidos a ponto de pagarem pela fé com sua própria vida.

Através do famoso Edito de Milão, os seguidores de Cristo tiveram os direitos básicos restaurados e viram sua crença ser não só tolerada, como oficializada. Das catacumbas para o palácio; das margens sociais para a evidência urbana; da pobreza para a riqueza; assim, a chamada Igreja de Cristo viu sua posição ser transformada. Todas essas benesses trouxeram como efeitos colaterais a superficialidade e o descompromisso. Ao contrário da perseguição de outrora, ser cristão passou a ser coisa comum. Os templos eram belos e ricos, alguns deles de deuses pagãos tomados à força pelos cristãos que, mutatis mutandis, assumiram o papel de perseguidores.

A Igreja da época deixou de crescer de maneira orgânica e relacional, como fruto do discipulado praticado nas sombras. O foco mudou, saindo do crescimento transformador da massa para um simples processo de atração dos de fora. Enorme diferença! Antes, o cristão convidava as pessoas, através de seu testemunho, para a perigosa jornada de seguir o Filho de Deus. Agora, bastava trazê-las para o conforto dos templos, onde ouviriam a retórica de líderes preparados na arte de esculpir um discurso persuasivo. As liturgias sofreram dramáticas mudanças de contextualização, a fim de atender às necessidades da elite, especialmente aquela ligada ao poder. Não é difícil supor como, neste cenário, os líderes religiosos deixaram de lado a piedade e a retidão para mergulhar num estilo de vida marcado pela politicagem e pela busca de prestígio, poder, dinheiro, fama... Essas coisas com as quais todos nós, crentes do século 21, já estamos tão familiarizados!

A anacorese tem suas raízes naquele momento, quando tudo passava por tremendas transformações. Com o desaparecimento dos mártires – uma vez que ninguém mais precisava pagar com a vida a fé professada –, alguns crentes perceberam a necessidade de salvar o cristianismo da crise. Tornou-se necessário forjar um novo tipo de cristão, buscando os antigos ideais perdidos. Surge então o anacoreta, aquele indivíduo que passa a fazer do retiro o seu estilo de vida. Os anacoretas viram o caos espiritual, político e social do mundo de então, vendo que ele estava condenado nas suas bases. Assim, foram para os desertos e buscaram ali construir uma nova ordem social, fomentando um modo diferente de existir. Mais que isso: refugiaram-se na solidão desértica para melhor interceder pelo mundo. Aqueles cristãos piedosos entenderam que a melhor maneira de combater a degradação era manter distância da mesma, dedicando-se tão severamente a Deus que o maligno iria recuar pelo poder de suas orações. Por mais incrível que possa parecer, a anacorese como modelo de vida fez gerar um dos movimentos espirituais mais importantes da história, que iria influenciar toda a Igreja nos nove séculos seguintes, tornando-se uma das mais proeminentes forças a moldar a civilização ocidental.

Que ideia poderosa: retirar-se para estar com Deus! Como podemos vivê-la hoje? Será que, no nosso atarefado dia, não haverá espaços anacoréticos – momentos de retirada, de ruptura com a agitação, somente para se estar com o Senhor de toda paz? Não seria a própria sala, às vezes tão apertada dos nossos apartamentos, um lugar que poderia ser transformado no nosso deserto momentâneo, num sábado pela manhã, por exemplo, com um espaço de atenta dedicação a Deus, sem interrupções? E o que dizer da hora do nosso almoço? Certamente, há algum lugar de relativa quietude, onde podemos fazer nossa anacorese, nossa retirada para estar com Deus.

Esses pequenos desertos podem muito bem transformar nossas vidas em verdadeiros oásis! Isso porque, desde os primeiros tempos, o poder da anacorese não está no puro e simples isolamento, mas numa retirada temporária, na qual podemos resguardar nossa alma da corrupção de um mundo sem Deus.

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